“Manas” é um dos mais impactantes filmes sobre as feridas de um Brasil profundo e, muitas vezes, inacessível. O único cinema local a exibir a produção, já reconhecida e premiada internacionalmente, foi o Centerplex no Shopping Pátio Norte, na estrada de São José de Ribamar, em uma sessão onde não havia absolutamente nenhum outro ingresso vendido, exceto os da editora do blog.

Com mais de 20 prêmios, incluindo o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cinema de Veneza e o Women In Motion Emerging Talent Award da Kering, no Festival de Cannes, “Manas” tem a sensível direção da cineasta brasiliense Marianna Brennand, sobrinha-neta do brilhante artista plástico pernambucano Brennand.
Quase tudo já foi dito sobre a obra, que trata com delicadeza o grotesco a partir da opção narrativa da diretora pelo ficcional ao invés de um documentário que expusesse uma dor inenarrável. Uma infância violada é a mesma em qualquer circunstância, classe social ou região do planeta. Mas a realidade de abuso e exploração sexual das meninas no Marajó (Pará) tem como cúmplices a pobreza e o quase isolamento geográfico de uma Amazônia de difícil acesso às instituições de segurança pública e de justiça. Neste aspecto, a produção cinematográfica prima por mostrar que o enfrentamento de questões relativas à infância exige habilidades que vão além da violência policial, como faz a delegada Aretha, interpretada pela atriz Dira Paes.
Jamilli Correa interpreta Marcielle, uma menina de 13 anos, vítima do próprio pai, que já havia abusado de sua meia-irmã no passado. Brennand dirige com limite e acolhimento de um terapeuta. Mesmo as cenas mais fortes provocam asco sem a necessidade de imagens explícitas como assim deve ser tratado o tema.
Além do mérito maior de trazer ao público das salas de cinema, do Brasil e do mundo, um gravíssimo problema, escamoteado pelas próprias famílias das vítimas, a direção consegue o feito de reproduzir o inaudível, o indizível, o inalcançável: o silêncio de uma menina abusada. Neste instante, nem um milhão de palavras às quais nós, escribas, recorremos, de forma abusiva, conseguem traduzir o que sente uma criança violentada.