QUARTA LITERÁRIA NO BLOG

O blog prossegue com a série Quarta Buarque. A cada semana, um brinde aos leitores com uma crônica embalada por trechos de algumas letras do compositor e escritor Chico Buarque. É um espaço para sentimentalidades, diletantismos com pretensão única de certo hedonismo literário, brecha que se abre em meio à aridez dos textos jornalísticos mais sisudos. O escrito também já foi publicado no primeiro livro da editora, que se apresentava aos leitores com uma epígrafe de outra de suas fontes inspiradoras, o sociólogo, semiólogo e crítico literário francês Roland Barthes, autor de O Prazer do Texto, Fragmentos de um Discurso Amoroso, entre tantas outras obras-primas aos que amam as palavras: “Escrever é sacudir o sentido do mundo”. Como discordar?

Breves Confissões Adocicadas

Flávia Regina Melo

A poesia distraída de certas canções desagua sensações de céu. Um dos meus versos musicais preferidos é aquele de Chico Buarque, em Lola: “Gosto de ver você chegar, arrancando páginas dentro de mim”. 

Um sorriso despertado pela cumplicidade de certas lembranças agradáveis, sedutoras, surge quase pedindo sua conversão em escrita. Contemplo as primeiras luzes que riscam a paisagem de concreto, em janelas que exalam vidas acesas, impondo sua presença, em meio aos vestígios do azul de um resto de dia.

Entardece lentamente, lenta a mente. Persianas entreabertas deixam escapar aromas do início de noite. Um rio de águas mansas, mornas passeia na alma, antes insaciável, em estado de permanente torrente, jorrando em desperdício absoluto. O singelo, a delicadeza, a alegria despretensiosa tomam assento no lugar abandonado, após anos de ardor, de ânsias juvenis, de frenesis imbecis.

A calmaria é brisa suave no rosto, beijo gostoso que se delicia desde a espera. A mansidão é música feita de punhos de rede. Hermeto Pascoal de minhas emoções reinventadas. Fluir, mergulhar, no baile do ritmo da harmonia soberana.

Transformar em arte cada parte. Vik Muniz de mim mesma, transmutando intenções e emoções. Viver certos dias que se parecem com uma caminhada à beira-mar, pressa que desaparece, maré cheia, maré vazante, ciclos naturais. Vida que não impede o sol de nascer, a chuva de cair, o mar de encher ou vazar.

A mestra natureza, ao ensinar a receber a semente, fazer crescer, florescer, amadurecer, num tempo, nem atrás, nem adiante, mãe de todos os acontecimentos.

Acordar, a cada dia, como quem nasce novamente. O interior em pluma, ao abrigo das cobertas da serenidade. Nem os ruídos urbanos, nem a despedida do vento de agosto serão capazes de desafinar a ternura, armadura de lençol. O cheiro de maresia está no ar.

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